
Reforma tributária traz justiça fiscal progressiva, mas São Paulo, Minas e outros seis estados seguem parados no tempo
O Brasil aprovou uma reforma tributária histórica no fim de 2023. A promessa era clara: tornar o sistema mais justo, menos desigual e mais moderno. Mas, quando se trata do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), uma pergunta inquietante ainda paira no ar: por que tantos estados continuam cobrando como se a Constituição não tivesse mudado?
A Constituição foi alterada. A nova regra, trazida pela Emenda Constitucional 132, determina que o ITCMD, imposto estadual cobrado na transmissão de bens por herança ou doação, deve ser progressivo. Em outras palavras: quanto maior o valor transferido, maior deve ser o percentual de imposto cobrado.
Essa exigência não é uma sugestão. É um comando constitucional. Entretanto, oito estados ainda cobram esse imposto de forma fixa, sem variação conforme o valor recebido, o que tem provocado críticas, ações judiciais e o risco de um colapso na legitimidade da cobrança.
Estados que ainda não se adequaram
Até o momento, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Roraima, Bahia e Piauí não aprovaram leis estaduais que regulamentem a nova regra de progressividade.
Nos estados da Bahia e do Piauí, a alíquota é progressiva apenas para heranças, mas permanece fixa para doações. Nos demais, a alíquota é fixa em todas as situações.
O que a Constituição exige agora?
Com a reforma tributária, a Constituição passou a exigir que o ITCMD seja progressivo com base no valor da herança ou da doação. Isso implica que os estados devem criar faixas de cobrança — como ocorre no Imposto de Renda. Quem herda menos paga menos. Quem herda mais paga mais.
No entanto, para que essa mudança entre em vigor, cada estado precisa aprovar uma nova legislação local. Muitos não o fizeram. Apesar disso, continuam cobrando o imposto com base nas regras antigas.
É exatamente aí que se origina a nova tese jurídica: se a Constituição exige progressividade e a lei estadual não a implementou, então a cobrança atual é inconstitucional.
A tese que já chegou à Justiça
Tributaristas vêm levando esse argumento ao Judiciário. A essência da tese é clara: não se pode cobrar um imposto de forma incompatível com a Constituição. Neste caso, a progressividade deixou de ser uma faculdade dos estados e passou a ser uma exigência expressa.
Nos estados que ainda mantêm alíquota fixa, todos os pagamentos feitos desde dezembro de 2023 podem ser considerados indevidos. Já há contribuintes pedindo judicialmente a suspensão da cobrança e a restituição dos valores pagos.
Em São Paulo e Minas Gerais, decisões de primeira instância negaram os pedidos. Os juízes consideraram que, em 2024, o prazo de adaptação ainda poderia ser considerado razoável. Contudo, em 2025, essa justificativa perde consistência, e cresce a expectativa de uma nova postura dos tribunais superiores.
O que muda para quem recebe herança ou faz doações?
Para o cidadão comum, a implicação é direta. Se você está em um dos oito estados que não ajustaram a legislação, ao herdar ou doar bens, pode estar pagando um imposto acima do que seria legalmente permitido.
Além disso, famílias em processo de inventário podem buscar o Judiciário para suspender a cobrança ou solicitar a devolução de valores indevidamente pagos. E o mais revelador: bastaria que o estado criasse duas faixas de cobrança — por exemplo, 3% e 5% — para já estar em conformidade com a nova regra constitucional.
Até agora, porém, nenhum desses estados deu esse passo básico.
O custo da inércia
A cobrança do ITCMD por alíquota fixa em 2025 não representa apenas uma falha técnica — representa um descumprimento constitucional, um desrespeito à justiça fiscal e uma omissão política.
A Constituição mudou. A estrutura do imposto também deveria ter mudado. A permanência de alíquotas fixas ignora o que está escrito na mais alta norma jurídica do país.
Enquanto isso, contribuintes seguem pagando, muitas vezes sem saber, um imposto possivelmente indevido. A pergunta que fica é: até quando o poder público seguirá cobrando como se a Constituição não valesse?