
Preta Gil morreu em Nova York após longa batalha contra um câncer. O retorno ao Brasil não foi simbólico. Foi físico, logístico e definitivo. O corpo, embalsamado e lacrado, atravessou fronteiras para que a artista fosse velada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sob aplausos e homenagens.
A distância e a dor do retorno ecoam versos de uma de suas canções mais sensíveis, “Se Eu Fosse Você”, que fala de ausência, perda e silêncio. E foi no mais absoluto silêncio que a filha de Gil voltou para casa.
Quando morrer custa caro
Morrer fora do país é mais do que um drama familiar. É um desafio diplomático, sanitário e financeiro. O translado internacional de um corpo exige uma série de procedimentos técnicos: embalsamamento obrigatório, urna metálica lacrada, emissão de documentos bilíngues, atestados de não contaminação, autorizações consulares e liberação aduaneira. Tudo precisa ser executado com precisão, sem falhas, sob pena de o corpo sequer poder embarcar.
No caso de Preta Gil, o processo foi conduzido com discrição, mas exigiu estrutura e agilidade. O custo estimado de uma repatriação dos Estados Unidos ao Brasil varia entre R$ 120 mil e R$ 200 mil. Esse valor depende da distância entre as cidades, do peso do caixão, das taxas aeroportuárias, dos trâmites legais e da atuação conjunta de funerárias especializadas nos dois países.
Diante disso, a maioria das famílias brasileiras não conseguiria arcar com um processo tão oneroso. Por isso, a contratação de um seguro de viagem com cobertura para translado de corpo deve ser vista como uma decisão de responsabilidade, não como um luxo. Esse tipo de apólice garante que, em caso de morte no exterior, todo o processo seja custeado pela seguradora, incluindo transporte, preparação do corpo e até a passagem de um acompanhante para acompanhar a liberação e o retorno.
A ausência dessa cobertura pode inviabilizar o sepultamento do ente querido em solo familiar, além de expor os herdeiros a dívidas emergenciais e a um luto burocraticamente travado. Preta voltou. Mas milhares de brasileiros morrem fora do país e jamais retornam.
Organizar a vida também é prever a morte. E morrer longe de casa, sem seguro, custa mais do que se imagina.
O fim não improvisado
Preta sempre fez questão de estar presente, de assumir sua imagem e de transformar a exposição pública em instrumento de consciência. A forma como organizou sua partida reflete o mesmo nível de responsabilidade. O silêncio com que voltou ao Brasil não indica omissão, mas conclusão. Nada sugere descuido. Sua ausência parece ter sido preparada com o mesmo zelo com que construiu sua trajetória.
Em “Meu Corpo Quer Você”, Preta canta sobre presença com intensidade. Sua despedida, planejada e sem improvisos, mostra que até no adeus ela se fez inteira. Corpo, vontade e consciência caminhavam juntos.
O que ela deixou
Estima-se que o patrimônio de Preta Gil esteja entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões, incluindo imóveis no Rio de Janeiro e em Salvador, direitos autorais de mais de 270 músicas registradas no ECAD, participações societárias na agência Mynd, além de contratos publicitários, presença digital e bens pessoais.
Essa força, esse brilho contínuo, são retratados em sua música “Sinais de Fogo”. Assim como na canção, sua trajetória é marcada por intensidade, afirmação e visibilidade. Nada nela era apagado ou provisório. O que ela deixou aceso continua a iluminar.
Herança com nome e rosto
Francisco Gil, seu único filho, é o herdeiro necessário por lei. Há indícios de que Preta tenha deixado testamento, incluindo também a neta Sol de Maria em sua vontade patrimonial. Isso revela um cuidado não apenas jurídico, mas também afetivo. Nada indica um inventário conturbado. Pelo contrário, os sinais apontam para uma sucessão serena.
Pelo Código Civil brasileiro, 50% do patrimônio é reservado legalmente ao herdeiro necessário, e os outros 50% podem ser destinados por testamento. Isso significa que, se o patrimônio total for estimado em R$ 30 milhões, ao menos R$ 15 milhões pertencerão por direito a Francisco Gil, enquanto os outros R$ 15 milhões poderão ser partilhados conforme a vontade expressa da artista.
Na canção “Vá Se Benzer”, Preta canta sobre proteção, ancestralidade e força espiritual. O amor que ela dedicou à família não se restringiu à música, está também nas decisões concretas que asseguram a continuidade daquilo que construiu.
O gesto final de amor
A maioria das pessoas morre com a vida desorganizada. Preta Gil não. Sua trajetória revela um tipo de responsabilidade raro entre artistas brasileiros: o de planejar a morte como parte da vida. Quem lida com patrimônio reconhece o valor desse gesto. Um inventário claro. Uma marca preservada. Um nome que continua gerando valor mesmo na ausência.
Além de testamento, é provável que ela tenha utilizado instrumentos como doações em vida, designação de administradores e uma holding patrimonial para facilitar a sucessão e reduzir a carga tributária. Ainda assim, o processo de inventário no Brasil pode consumir entre 2% e 8% do valor total dos bens em impostos e honorários. Isso significa que a herança de Preta pode gerar custos entre R$ 600 mil e R$ 2,4 milhões, dependendo da estrutura jurídica adotada.
Em “Sou Como Sou”, Preta canta sobre identidade, liberdade e inteireza. E foi exatamente assim que ela partiu: sendo quem era, deixando tudo em ordem, sem disfarces, sem depender de ninguém para reorganizar o que ela mesma teve coragem de construir.
Permanência
Preta Gil voltou em silêncio, mas não deixou silêncio ao redor. Deixou estrutura, legado e direção. Morrer é inevitável. Mas há quem morra preparado. E há quem, como ela, transforme até a partida em um ato de presença.
Na música “Preta”, que leva seu nome, ela se declara sem filtros, com orgulho de sua história e de sua força. E é essa força que permanece. Não como lembrança, mas como realidade organizada, presente, em movimento. Preta não parou. Apenas passou a habitar outro lugar do tempo.