O ambiente de risco no sistema de pagamentos brasileiro mudou de forma profunda em 2025.
Segundo o Estudo Golpes com Pix 2025, produzido pela Silverguard, 56 milhões de brasileiros foram vítimas de golpes digitais nos últimos 12 meses, número equivalente a um terço da população adulta.
O prejuízo estimado chegou a R$ 51 bilhões — impulsionado por engenharia social, fraudes digitais e operações complexas que se valem de inteligência artificial.
O estudo também mostra que 65% das transações fraudulentas analisadas tiveram como destino contas de pessoa jurídica, especialmente empresas LTDA.
Segundo a Silverguard, “a nova face do golpista é corporativa”, indicando uma mudança estrutural na rota do dinheiro fraudado.
A perda média registrada por vítima foi de R$ 2.540, com impacto mais severo no público acima de 60 anos, cuja perda média é cinco vezes maior.
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O que é Dark AI — e por que ela mudou o jogo
A Silverguard define Dark AI como o uso da inteligência artificial para fins criminosos — incluindo criação de deepfakes, automação de conversas, perfis falsos, imitação de voz e análise de grandes volumes de dados para aprimorar golpes.
O estudo aponta que golpes apoiados por IA cresceram 456% no último ano.
Segundo o relatório:
“Deepfakes passaram a replicar familiares, executivos e representantes de instituições com alto grau de realismo”.
Entenda o termo: Deepfake
Tecnologia que gera vídeos, áudios ou imagens hiper-realistas usando IA, capazes de imitar pessoas reais com precisão. Hoje, é usada tanto em golpes familiares quanto em fraudes corporativas.
Como a Dark AI é usada nos golpes — segundo o estudo
- Criação de identidades digitais falsas em segundos
- Automação de mensagens em WhatsApp, Instagram e Telegram
- Voz sintética que imita familiares, CEOs e executivos
- Perfis falsos com comportamento semelhante ao humano
- Produção de documentos artificiais para abertura de contas
Segundo a Silverguard, a Dark AI reduziu em até 40% o tempo necessário para estruturar um golpe, tornando-os mais rápidos e difíceis de detectar.
Contas PJ se consolidam como principal vetor das fraudes
A migração para CNPJs foi um dos achados mais relevantes.
Segundo a Silverguard:
“A utilização de empresas de fachada, intermediários de pagamento e estruturas societárias artificiais tornou-se estratégia central dos grupos criminosos.”
Nota técnica: Por que contas PJ são mais usadas
- Permitem justificar movimentações como “desacordo comercial”
- Reduzem a aceitação do MED (contestações)
- Conferem aparência de legitimidade
- Trazem menor rastreabilidade em algumas plataformas de pagamento
- São mais difíceis de bloquear no fluxo instantâneo
Reguladores reagiram — e o mercado sente a pressão
A resposta regulatória veio em ritmo acelerado, com medidas do Banco Central e decisões do STF que impactam diretamente governança, compliance e monitoramento.
1. MED 2.0 — rastreamento em cinco camadas (BCB)
O Banco Central ampliou a capacidade de rastrear a cadeia do dinheiro fraudado antes da devolução.
Nota técnica:
MED é o Mecanismo Especial de Devolução do Pix, que permite recuperar valores transferidos em golpes, desde que a contestação seja aceita.
2. Bloqueio cautelar também para CNPJs
Amplia a capacidade de interromper transações corporativas suspeitas.
3. Verificação automática com a Receita Federal
Chaves Pix passam a depender de checagens de CPF/CNPJ diretamente na Receita.
Nota técnica:
Essa verificação evita contas abertas com identidades falsas — inclusive via deepfake em processos de onboarding.
4. Botão “Contestar Pix” obrigatório
O autoatendimento tornou-se obrigatório, aumentando o volume de disputas e exigindo respostas mais rápidas.
5. Opt-out para abertura de contas (dez/2025)
O cidadão poderá bloquear a criação de contas em seu nome, dificultando fraudes de identidade.
6. Novo Marco Civil — plataformas podem ser responsabilizadas
O STF determina que redes sociais, buscadores e marketplaces podem ser responsabilizados sem ordem judicial quando há omissão no combate a anúncios fraudulentos.
Nota técnica:
Esse dispositivo acelera a retirada de anúncios de golpes e aumenta o papel das big techs na prevenção.
O que o mercado precisa compreender agora
Com base no estudo da Silverguard e nas mudanças regulatórias, três eixos se tornam centrais:
1. A fraude é multicanal — não começa no Pix
Segundo o estudo:
“A maioria dos golpes nasce em redes sociais e mensagerias e se concretiza no Pix”.
Monitorar somente a transação final já não é suficiente.
2. Contas PJ são vetor crítico e exigem novo modelo de risco
CNPJs de fachada se tornaram o principal destino do dinheiro fraudado.
Análise societária, comportamento transacional e similaridade de dados precisam entrar no radar.
3. IA deve ser usada também como defesa
O estudo mostra que a Dark AI acelera e profissionaliza o crime.
Instituições precisam incorporar IA para:
- detectar assinaturas comportamentais
- identificar deepfakes
- analisar múltiplos sinais (multissinal)
- monitorar cadeias de transações
Conclusão:
Os dados apresentados pela Silverguard mostram que o risco digital brasileiro entrou, de fato, em outra fase. Não se trata apenas da evolução dos golpes, mas da mudança estrutural da forma como eles são concebidos, executados e distribuídos.
Quando tecnologia, engenharia social e estruturas empresariais passam a operar de maneira integrada, o risco deixa de ser um evento e passa a ser um sistema.
Para quem atua em riscos, segurança e compliance, essa realidade reforça um ponto essencial: não estamos diante de um problema de ferramenta, mas de arquitetura.
E arquiteturas só mudam com visão estratégica — não com respostas reativas.
A análise do estudo deixa claro que o setor financeiro terá de avançar em três direções inevitáveis:
- Profissionalizar a governança, para transformar decisões em rotina e não apenas em reação.
- Evoluir a inteligência digital, porque o adversário já opera com velocidade algorítmica.
- Assumir uma postura sistêmica, compreendendo que nenhum ator — banco, fintech, plataforma ou regulador — resolverá esse problema sozinho.
Em risco, maturidade não é eliminar o problema.
É reconhecer o cenário, antecipar movimentos e responder com consistência.
O Brasil está entrando em um novo capítulo da sua jornada digital.
E os players que entenderem essa dinâmica primeiro não serão apenas os mais seguros — serão os que permanecerão relevantes nos próximos anos.




